segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Mas que diabos!

Esse blog é excessivamente centrado no "eu". Droga, que coisa...

Mais um sobre a (in)certeza

Estou sentada em frente ao computador, fingindo indiferença quando na verdade meus dedos tremem - só um pouquinho. Meu CPF, meu RG, meu nome, são digitados com cuidado especial, e ainda assim tenho a impressão de que está tudo errado; dou uma conferida no documento, por desencargo de consciência. Sou direcionada a uma janela simples e objetiva: "Carreira e curso". Eu sei o que eu quero. Mas alguma parte de mim guia o cursor até "Letras - CARREIRA 235". Em um milésimo de segundo, todo um futuro se desenrola diante dos meus olhos.

Eu me vejo. E estou seca. 

Não fisicamente, claro. Na verdade, estou até bastante bem. Uma mulher já madura, roliça, pálida de tanto ficar em casa, escrevendo. Meu futuro eu desvia o olhar do texto que revisava para estudar um gato, que espreguiça no sofá. É minha única companhia na flor dos meus quarenta anos. Um gato. Tenho que terminar a revisão do texto, mas o cansaço me domina (cansaço de quê?). Vivo de eventuais revisões. Corroída pelo orgulho, recusei duramente ser professora. Meu sonho de escrever um livro parece cada vez mais distante - a inspiração não vem. Apenas reviso textos. Não há mais sonhos, os olhos opacos, a melancolia própria de alguns autores bem-sucedidos. Mordisco uma cream cracker, suspiro e volto ao trabalho.

Saio do transe tão rápido quanto entrei. Clico em "Medicina Veterinária - CARREIRA 510", e imediatamente vejo a mim mesma, ainda jovem, queimada de sol, radiante. Cuido do meu cavalo, na minha fazenda, e estou feliz. Mais que isso: estou em paz. Posso trabalhar tranquila no meu livro, à sombra de uma árvore. As ideias simplesmente fluem. Tenho marido, e filhos,  e minha própria clínica e cavalos e cães e meu livro. É tudo o que eu queria.

Entrego à minha mãe o boleto com a taxa de inscrição. Não sei se o futuro será como vi, mas acho que é assim que funciona a intuição; você simplesmente conta até três e dá um tiro no escuro. E ignora o medo, e o aperto no coração. Minha mãe suspira, a voz carregada de orgulho:

"Minha filha vai ser médica..."